Giselle, Izete, Cleia e Nazaré. Mortas a facadas entre setembro e outubro deste ano. Eva, a golpes de ferro, Geisilene e Gertrudes, enforcadas, e Milena, a marteladas. Todas viraram parte da estatística que aponta 86 feminicídios nos primeiros 10 meses deste ano na Bahia.
O número divulgado pela Secretaria de Segurança Pública (SSP) já é maior do que o total de 83 casos registrados em 2021 no estado.
Sem perspectiva de fim, o combate à violência contra a mulher encontra cada vez mais obstáculos: o governo Jair Bolsonaro (PL) propôs, por exemplo, uma redução de 94% nas verbas para políticas ligadas ao tema em relação à gestão anterior.
Consequências de medidas como esta são refletidas também nas denúncias de feminicídio oferecidas pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA). Até o último dia 7, foram feitas 131 denúncias – 18 a mais do que todo o ano passado, quando foram registradas 113.
Advogada e diretora da ONG ‘Tamo Juntas’, Leticia Ferreira percebeu ainda a pandemia da Covid-19 como um agravante. “A gente viveu um processo de precarização dos serviços e da rede de atendimento à mulher, principalmente nas cidades fora da capital. A maior parte dos lugares no interior da Bahia sequer tem rede especializada”, pontuou.
A organização acompanhou, somente neste ano, cerca de 70 mulheres em situação de violência e vulnerabilidade social, em Salvador. O amparo é dado de forma voluntária para minimizar os efeitos de um governo “inepto”, nas palavras de Letícia.
A ativista também citou a impunidade em torno destes casos.
IMPUNIDADE
“Eu sinto repúdio por ele ter matado Kézia brutalmente e estar em casa, em liberdade, como se nada tivesse acontecido”, declarou Maísa Silva, 44. Maísa é madrasta de Kézia Stefany da Silva Ribeiro, assassinada aos 21 anos com um tiro na boca. O caso aconteceu em 17 de outubro de 2021, em Salvador.
O suspeito do crime, o advogado José Luiz de Brito Meira Júnior, 50, teve a prisão suspensa pela Justiça em 15 de setembro deste ano. Antes, ele cumpria a preventiva em uma sala do Batalhão de Choque da Polícia Militar, em Lauro de Freitas. O caso foi capa do Jornal da Metropole de 21 de outubro de 2021.
“[Kézia] era como se fosse uma filha. Uma menina boa, que só queria aproveitar a vida. No caso do Dr. Luiz, ele poderia ter dito ‘Kézia, não dá mais para a gente ficar sério’, mas preferiu fazer uma tragédia com a minha enteada”, relembra Maísa.
No Brasil, existe a Lei do Feminicídio (13.104/2015) e a Lei Maria da Penha (11.340/2006), reconhecida pela ONU como uma das mais avançadas do mundo. Ambas visam garantir os direitos e a proteção às mulheres.
Apesar do avanço das leis, Leticia Ferreira da ‘Tamo Juntas’, vê inúmeras falhas no sistema judiciário do país. “Inoperância, impunidade, infelizmente a gente ainda tem muito. A gente não deve olhar para esse quadro e pensar que precisamos de leis mais punitivas, mas que as leis sejam cumpridas”.
A ativista detalha o que muitas vezes acontece com as denúncias de violência contra a mulher. “A mulher faz o registro da ocorrência, tem uma demora significativa para concluir o inquérito e, quando chega no momento da condenação, o crime já está prescrito, então não tem possibilidade da pessoa ser punida”, exemplifica.
O delito de feminicídio é apurado pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Já a Delegacia da Mulher apura crimes como os contra a honra, os de ameaça, lesão corporal e tentativa de feminicídio.
“O pedido de socorro anterior em uma Delegacia da Mulher pode ser o
diferencial para que o homicídio não aconteça”, reforça Iola Nolasco,
delegada titular da Deam de Brotas. Até a publicação da reportagem, a
Polícia Civil não enviou o dado da quantidade de prisões por feminicídio
realizadas neste ano e no ano passado. *BN
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