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Jovens negros e com baixa escolaridade são os maiores alvos no país que mais mata no mundo


A violência no Brasil tem cara, cor e condição social. Rapazes entre 15 e 29 anos, negros, das periferias e com nível de escolaridade baixa são o alvo preferido no aumento das taxas de homicídio no País. Segundo pesquisa conjunta realizada pelo Instituto Igarapé e pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), a nação verde e amarela é a mais homicida do mundo. Uma em cada 10 pessoas mortas de forma violenta no planeta é daqui.

Só em 2018, foram registradas pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mais de 63 mil mortes violentas intencionais no País. “Você tem adolescentes morrendo simplesmente por ter a pele negra. Precisamos nos atentar a esse tipo de dimensão para encontrar respostas para o problema”, afirma a especialista em Proteção à Criança do UNICEF para o Semiárido, Helena Oliveira. De acordo com a especialista, o número de crianças morrendo com idades entre 11 e 12 anos também vem crescendo – a maioria com o mesmo perfil.
A causa aparente para crianças entrarem nas estatísticas, segundo Helena, é o acirramento das desigualdades socioeconômicas. “O Brasil não é um país pobre, mas é um país muito desigual. Os impactos dessa desigualdade acabam refletindo na vida de famílias e de crianças mais pobres. Então, o assolamento social, econômico e essa exclusão determinam tudo isso.”


 Na opinião da chefe do escritório do UNICEF em São Luís (MA), Ofélia Silva, a violência contra crianças e adolescentes, especialmente de meninos e meninas pobres e negros, é, em muitos aspectos, invisibilizada. “Um dos desafios mais importantes para melhorar a nossa capacidade de responder a essa epidemia de mortes de jovens afrodescendentes é a costura da articulação entre as áreas de educação, saúde e assistência social.”

As maiores taxas de homicídio a cada 100 mil habitantes, de acordo com o Fórum, estão concentradas no Rio Grande do Norte (68,0), Acre (63,9) e Ceará (59,1). Esses estados pertencem a regiões que merecem mais atenção, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). As unidades da federação do Semiárido e da Amazônia Legal, inclusive, são o foco de uma ação do Fundo para transformar a realidade de crianças e adolescentes locais.


 “O que estamos propondo é que, em cada município, seja feita uma grande mobilização em torno da segunda década da vida, ou seja, da vida na adolescência. É isso que está nos preocupando, a morte de adolescentes por causas externas”, acrescenta o chefe do escritório do UNICEF em Fortaleza (CE), Rui Aguiar. Ele adianta que na lista de maiores causas de mortes entre adolescentes, estão, além do homicídio, o suicídio e os acidentes de trânsito.

Sobre os acidentes, Rui acredita que eles são, muitas vezes, evitáveis. Para ele, é importante focar em ações preventivas. “É preciso maior fiscalização com a municipalização do trânsito, melhor sinalização perto das escolas, mais orientação. Creio que está dentro das possibilidades do município realizar ações desse tipo”, diz.

Em relação ao suicídio, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera o fenômeno a segunda maior causa de morte entre jovens de 15 a 24 anos – superando mortes por guerras e por doenças como câncer. Dados de 2016, revelados no ano passado pela Organização, mostram que mais de 800 mil suicídios são registrados por ano ao redor do mundo – no Brasil, nesse mesmo período, foram 13,4 mil no Brasil, sendo a grande maioria de homens (10.203).

“Na adolescência, as mortes por suicídio estão muito ligadas a questões existenciais, definição da identidade e dos projetos de vida. É um momento em que projetos de escuta e de acolhimento nos municípios é muito importante. Temos que preparar os centros de assistência psicossocial e as escolas também para essa demanda que vem crescendo”, afirma Rui.


 Proteção
Realizar um diagnóstico identificando as causas da violência contra os adolescentes e formular estratégias concretas para reduzir o número de mortes está entre as metas do Selo UNICEF para melhorar a vida no Semiárido e na Amazônia Legal. Cumprindo as metas propostas pela iniciativa, a prefeitura participante recebe, após três anos, um selo que comprova e reconhece o esforço da comunidade envolvida em colocar crianças e adolescentes como uma prioridade.

A proteção contra a violência, em especial na redução dos homicídios, entra pela primeira vez, em 20 anos de história do Selo, como meta obrigatória a ser cumprida. Mas Helena Oliveira observa que ainda há uma certa dificuldade para que as gestões “assumam” os problemas locais. Para ela, essa resistência tem uma questão cultural, já que as prefeituras acreditam que esse tema é responsabilidade dos estados ou do governo federal.

Outra causa, segundo a especialista, é a culpabilização da vítima pela violência sofrida. “É uma dimensão cultural de aceitação e de naturalização de meninos pobres e negros morrendo. ‘Se ele morreu, alguma coisa errada ele fez para merecer’. Essa pré-conceituação de que esses meninos e meninas foram os causadores da sua própria violência é o que dificulta as possibilidades de soluções”, lamenta.

 E não é só a violência física que essa meta do Selo quer combater. A violência sexual, em especial contra as mulheres, também é uma preocupação. Em 2017, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, houve um crescimento de 8,4% nos casos de estupro no Brasil em relação ao ano anterior – mais de 60 mil casos registrados no ano.

A dor de conviver com o abuso sexual pesou também para um mobilizador de jovens do município maranhense de Bom Jesus das Selvas, cidade a quase 500 km da capital (São Luís). Ernando dos Santos, hoje casado, pai de três filhos e com 38 anos, foi vítima de abuso, ainda criança, por um diretor de escola. “Isso me fez entrar nessa área de atuação de gestão de crianças e adolescentes. Eu me identifico com a causa uma vez que fui vítima de violência”, admite.


 “Nunca me constrangi em contar minha história porque isso ajudava outros jovens a também sensibilizar outros jovens. Eu sempre converso com as pessoas sobre as experiências que já vivi quando se trata desse tema”, relata.

Ernando já foi conselheiro tutelar e hoje atua como professor no município. “Sempre trabalhei em prol das garantias de direitos desse público”, afirma. Após administrar o trauma sofrido e contar com a ajuda de toda a comunidade, Ernando volta agora os esforços para ajudar o município. Ele conta que, graças ao empenho da prefeitura e de todos da cidade, Bom Jesus das Selvas poderá finalmente ganhar o Selo UNICEF. “Essa é a terceira vez que tentamos e a primeira que vamos conseguir, não tenho nenhuma dúvida”, garante.

O articulador revela que o município evoluiu muito na formulação de políticas públicas para combater a violência, já que, antes do Selo, eles não tinham noção do quanto os jovens estavam em perigo. “A gente percebeu que não havia uma estatística alinhada aqui em Bom Jesus das Selvas em relação aos sistemas que organizam essas informações, como o hospital, a delegacia e o sistema que contabiliza as mortes externas”, diz. Segundo ele, esses três órgãos não se comunicavam, mas, com o trabalho realizado no município, os problemas estão sendo corrigidos.

“Com isso, teremos, de fato, um panorama desses casos para, a partir daí, estabelecermos as políticas públicas voltadas para o enfrentamento desse tipo de violência.”


Violência no Norte
A especialista em Proteção à Criança do UNICEF para a Amazônia Legal, Débora Madeira, alerta para uma realidade da região Norte que nem todos conhecem. “Hoje, existem dados de educação, de saúde, de pobreza, uma série de dados multidimensionais. Mas não existem dados específicos para essa região. Sabemos que são preocupantes, mas nada concreto”, diz.

Para ela, isso pode dificultar a formulação de políticas públicas específicas para os povos que vivem na Amazônia Legal. “Uma das funções da iniciativa do Selo é criar evidências para que as políticas possam ser formadas.”

Débora chama a atenção para a migração de famílias e de jovens dos países vizinhos para o Brasil – a maioria feita pelo Norte. O assédio das facções de crime organizado a essa juventude é um fator que tem causado preocupação. “Sabemos que os jovens que vêm para cá não conseguem oportunidades – escola, trabalho. Eles ficam ‘sem fazer nada’ e em uma situação extremamente vulnerável, até mais que os jovens locais. E é aí que eles são seduzidos e entram para o mundo do crime, pois é um caminho mais fácil”, lamenta.

 Outro fator observado por Débora é a questão indígena. Para ela, a vinda dos migrantes e dos indígenas torna a questão bastante complexa. “É um fluxo que não tem data para acabar, é contínuo. São jovens que vêm para cá à procura de paz, de um lugar para trabalhar, estudar, criar seus filhos”, comenta.

Além disso, no Brasil, meninos e meninas indígenas têm 2,5 vezes mais risco de morrer antes de completar um ano do que outras crianças brasileiras.

“É incrível a fragilidade e a vulnerabilidade das comunidades indígenas, tanto nas terras deles quanto nos grandes centros urbanos, para onde eles se movimentam. E quando isso acontece, eles encontram dificuldades como línguas diferentes e formas de viver que não coadunam com a vida deles. Então, eles ficam mais vulneráveis”, diz.


 Débora adianta que um dos planos para 2020 é fazer um diagnóstico mais profundo nesses municípios da Amazônia Legal para definir quais políticas públicas devem ser aplicadas.

Metas
A proteção contra a violência é uma das metas propostas a 1.924 municípios da Amazônia Legal e do Semiárido para que eles alcancem o Selo UNICEF. Cumprindo as metas propostas, o município recebe, após três anos, um selo que comprova e reconhece o esforço da comunidade envolvida em colocar crianças e adolescentes como uma prioridade.


 Além de encontrar soluções para reduzir o número de mortes por homicídios, em especial, as gestões precisam cumprir mais quatro metas obrigatórias, que são viabilizar a volta às aulas; os direitos sexuais e reprodutivos; a valorização da primeira infância, e a participação e mobilização de adolescentes.

O Selo
Implantado pela primeira vez em 1999, no Ceará, o Selo UNICEF já contabiliza 20 anos de história e de mudança na vida de milhões de crianças e de adolescentes em situação de vulnerabilidade no Semiárido e na Amazônia Legal. Atualmente, 18 estados são alcançados pela ação – Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe e norte de Minas Gerais, no Semiárido, e Acre, Amazonas, Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, na Amazônia Legal.

 Com o sucesso das experiências, o Selo cresceu e, hoje, procura aplicar o aprendizado das edições anteriores aos participantes da atual. A metodologia foi unificada para o Semiárido e Amazônia Legal e introduziu o conceito de Resultados Sistêmicos no lugar de ações, visando dar sustentabilidade às iniciativas dos municípios e garantir que as crianças e adolescentes continuem sendo beneficiadas pelas políticas públicas implementadas mesmo após o fim do ciclo.

O Selo é dividido em ciclos, que coincidem com as eleições municipais. No atual ciclo (2017-2020), de 2,3 mil prefeituras convidadas, 1.924 toparam o desafio, sendo 1.280 do Semiárido e 644 da Amazônia Legal. Cumprindo as metas propostas pela ação, o município recebe, após três anos, um selo que comprova e reconhece o esforço da comunidade envolvida.

No ciclo de 2017-2020, os municípios devem apresentar os resultados das ações desenvolvidas até 31 de março, por meio da plataforma Crescendo Juntos, no site do Selo UNICEF. A comprovação das atividades é feita por meio de documentos comprobatórios e anexados no portal. O envio pode ser feito pelo computador, celular ou tablet ou com auxílio de agentes comunitários, caso o município não tenha acesso à internet.

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