A polícia baiana apreendeu 54 fuzis em 2023, de acordo com dados apresentados pela Secretaria de Segurança Pública na manhã desta quarta-feira (10). O número representa um crescimento de 145% em relação ao ano de 2022, quando 22 fuzis foram apreendidos no estado. Conforme especialistas em segurança pública, a maior parte desse tipo de armamento vem de fora do país.
“Fuzis, pistolas, metralhadoras e submetralhadoras não são fabricados no Brasil. São armas que vêm, em sua grande maioria, da Europa e entra no Brasil, principalmente, via Paraguai, como recentemente a Polícia Federal desarticulou uma quadrilha especializada em tráfico de armas”, afirma Antônio Jorge Melo, especialista em segurança pública, coordenador do curso de Direito da Estácio e coronel reformado da Polícia Militar da Bahia (PM-BA).
A operação da Polícia Federal (PF) citada pelo especialista ocorreu em dezembro de 2023. Segundo a PF, foi desvendado um esquema bilionário de tráfico ilícito de armas de fogo da Europa para a América do Sul a partir de uma empresa localização em Assunção, no Paraguai, que, segundo estimativas, movimentou mais de R$ 1,2 bilhão nos últimos três anos, na importação de 43 mil armas.
O armamento era importado legalmente da Europa para o Paraguai e ilegalmente do Paraguai para o Brasil, posteriormente sendo distribuído entre os estados brasileiros. De acordo com Horácio Hastenreiter, professor e coordenador de uma das turmas de Mestrado em Segurança Pública, Justiça e Cidadania da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia (Ufba), os grandes fabricadores de armas são quatro países europeus, sendo eles a Croácia, Turquia, República Tcheca e Eslovênia.
Em maio do ano passado, três fuzis foram apreendidos na Baixa de Mirante, no bairro do Periperi, no Subúrbio Ferroviário de Salvador. As armas eram as mesmas usadas por países integrantes da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e também das Forças Armadas dos Estados Unidos (EUA). Esse fato repercutiu no meio policial e entidades ligadas à categoria comentaram a situação à época.
Grande parte do espanto se deveu à condição da Otan, que é uma aliança militar intergovernamental que existe desde 1949 e constitui um sistema de defesa coletiva, através do qual os seus 31 estados-membros concordam com a defesa mútua em resposta a um ataque por qualquer entidade externa à organização. O Brasil não faz parte da aliança.
A chegada desses armamentos na Bahia é vista também como consequência do uso de exemplares pela polícia, no ponto de vista de Luiz Lourenço, especialista em segurança pública e professor do Laboratório de Estudos Sobre Crime e Sociedade (Lassos) da Universidade Federal da Bahia (Ufba). “O uso de arsenais letais por parte da polícia mais incentiva do que coíbe o uso dessas mesmas armas na mão de criminosos. Seria ingênuo supor que se um lado está se armando o outro também não o faça”, diz.
Ao vir do Paraguai, os caminhos que esses armamentos percorrem para chegar em território baiano são diversos. “Em sua grande maioria, é por via rodoviária, mas também pode acontecer por via aérea ou marítima. Como a Bahia faz divisa com oito estados, é muito difícil manter o controle da malha rodoviária. Tanto a Polícia Rodoviária Federal quanto a Estadual não têm efetivo para isso”, aponta Antônio Jorge Melo, especialista em segurança pública, coordenador do curso de Direito da Estácio e coronel reformado da Polícia Militar da Bahia (PM-BA).
Como as armas que chegam ilegalmente no estado são importadas por facções criminais e, posteriormente, comercializadas pelas facções locais, esse equipamento bélico costuma ficar nos locais com forte predomínio do crime organizado. Salvador é um desses locais. “Salvador é uma das localidades por onde esse armamento têm chegado. Aqui há facções criminosas importantes, instaladas e consolidadas, como o Bonde do Maluco (BDM) e o Comando Vermelho (CV)”, pontua.
Na capital baiana, essas facções disputam território e fazem uso de armamentos pesados, como fuzis, para garantir seu domínio. Antônio Jorge Melo explica que as diaputas são protagonizadas pelo Comando Vermelho aliado do Comando da Paz contra o Bonde do Maluco, facção baiana que avança pelo Estado. “Já o Bonde do Maluco se associou ao Primeiro Comando da Capital (PCC), facção paulista que não está diretamente presente na Bahia. E, no início deste ano, outro rival do CV, o Terceiro Comando Puro, se aliou ao Bonde do Maluco”, complementa.
O especialista Horácio Hastenreiter afirma que, no interior do estado, está havendo a progressão desses conflitos. “Existem algumas cidades que estão mais violentas e outras que estão mais calmas. O estado da Bahia tem a cidade com maior índice de homicídios per capita do país, então esse processo se encontra disseminado. É claro que, nos locais onde há movimentação urbana e distribuição de renda maior, o crime organizado vai atrás”, ressalta.
Ainda de acordo com Horácio, a razão para a grande quantidade de fuzis apreendidos na Bahia se deve à maior presença desse tipo de armamento no estado e à insegurança pública no estado. “Se há mais fuzis em poder das facções organizadas, naturalmente vai ensejar que, à medida que se combata o crime organizado, haja um maior número de apreensões. Outra questão que tem que ser observada é que a segurança pública no estado está em xeque. Somos o segundo estado com maior número de homicídios per capita do país, então houve uma preocupação no combate a esse cenário durante 2023”, finaliza.
A Secretaria de Segurança Pública foi procurada pela reportagem para informar qual cidade da Bahia teve maior número de apreensões de fuzis em 2023, qual a origem dessas armas e por que tantas do tipo foram apreendidas. A pasta não respondeu. *Correio
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