Para quem vê o aquecimento global como uma questão a ser sentida somente no futuro precisa viajar pelo interior da Bahia. O deputado estadual Eduardo Salles (PP), ex-secretário de Agricultura, viaja com frequência para diferentes regiões do estado e define a situação, amplificada pelo fenômeno do El Niño, como desesperadora.
“A seca deste ano é comparável a um tsunami”, afirmou o deputado, logo no início desta entrevista exclusiva ao A TARDE. Salles está assustado, sobretudo, com a velocidade com que as altas temperaturas estão devastando as lavouras e pastagens em todo o estado. “Nós poderemos ter a maior perda do rebanho da história da Bahia, caso a chuva não venha logo”, diz ele, para quem agora é hora de todos unirem forças para minimizar o sofrimento no interior baiano.
O parlamentar defende, entre outras coisas, a venda de milho subsidiado para que o pequeno produtor consiga alimentar os seus rebanhos. E contou que, hoje, é comum você ver carcaças de animais mortos perto das estradas. “Não quero ser o arauto do apocalipse, mas estamos vendo essa situação dramática em cada canto do estado”, afirma ele. Saiba mais sobre os desesperadores efeitos da seca na Bahia na entrevista que segue.
A Federação da Agricultura e Pecuária da Bahia (Faeb) emitiu recentemente um comunicado alertando sobre a intensificação da seca no estado. Qual o balanço que o senhor, que acompanha de perto, faz da situação hoje?
A seca deste ano é comparável a um tsunami. Eu falo isso pela velocidade com que as pastagens foram devastadas neste ano. As temperaturas elevadas desvastaram rapidamente as pastagens de todo o estado. A situação é diferente da época em que fui secretário de Agricultura entre 2011 e 2014, quando nós tivemos quatro anos de seca também causada pelo El Niño. Mas ela foi acontecendo ao longo do tempo. Não foi essa coisa devastadora e nessa rapidez, como estamos vendo agora. Este ano, nós vivemos uma situação diferenciada porque ela é rápida. O momento é de desespero no interior da Bahia inteira. Há anos atrás, quando tivemos o El Niño, a seca se concentrou numa área expressiva do estado, mas basicamente na região do semiárido. Agora, a seca avança para regiões que normalmente não eram afetadas, como o sul e o extremo sul da Bahia. Eu fui esta semana para o extremo sul e fiquei assustado com o que vi lá. Normalmente, a uma altura desta, os animais saíam do semiárido e eram embarcados para as pastagens do sul e extremo sul. Agora, os produtores não têm essa opção. Fica muito complicado você não ter outras regiões que deêm suporte aos animais que estão nessa situação calamitosa. É comum agora você ver animais mortos na beira da pista, numa situação realmente de calamidade no interior da Bahia. Tem gente doando seus animais, entregando para não vê-los morrerem nas suas fazendas. É realmente um momento dramático.
O senhor já foi secretário de Agricultura e atua profissionalmente e politicamente no setor há muito tempo. Nunca viu alguma situação como essa?
Nunca vi. É um momento que, confesso a você, nos meus longos anos de atuação no setor agropecuário, nunca vi igual. Uma enchente é uma coisa fácil de ver. As ações são muito rápidas em função de a enchente dar uma visibilidade muito maior. Mas essa seca vem de uma forma que ela vai dizimando os rebanhos. Nós poderemos ter a maior perda do rebanho da história da Bahia, caso a gente não tenha chuva. E não temos perspectiva de chuva a curto prazo.
Alimentado pelo aquecimento global, o El Niño está mais forte este ano e, segundo os cientistas, deve durar até abril deste ano. Este fenômeno prolongado, como o senhor lembrou, preocupa muito?
Agora é hora de arregaçar as mangas todo mundo junto. É hora de união. Temos que unir – governos municipais, estadual, federal, os produtores – e fazermos ações efetivas e rápidas para que a gente minimize os efeitos da seca. A gente não vai conseguir resolver o problema. Mas temos que minimizar esse sofrimento e a perda de rebanho. Porque, muitas vezes, esse rebanho representa a vida dos milhares de pequenos produtores rurais. Uma vaquinha de leite representa muito. Na capital, as pessoas não entendem a gravidade que é um produtor perder seu pequeno rebanho de bovino, caprino… Aquilo ali é o sustento da vida deles. É a condição de educar seus filhos. É a condição efetiva de sobrevivência. E, quando a gente vê, de uma hora para outra, esse patrimônio dos pequenos produtores virou pó. É um cenário dramático. Qualquer pessoa que veja o que está acontecendo no interior da Bahia, tem realmente vontade de chorar. É um momento terrível que está passando a Bahia e, acredito, o Nordeste como um todo.
Quais são as regiões mais impactadas pela seca no estado?
Com certeza, o semiárido sente mais. E aí nós estamos falando de grande parte do território baiano. Eu sou presidente da comissão de Infraestrutura e Desenvolvimento Econômico da Assembleia Legislativa e já fui presidente da Comissão de Agricultura. Hoje, nós temos uma sintonia muito grande entre as duas comissões. Nós criamos uns programas de audiências itinerantes e fomos, a cerca de um mês e meio atrás, na região do Sisal e na região de Juazeiro. Essa região do Sisal é uma das mais pobres da Bahia. O sisal e a caprinocultura são os dois pilares de sustentabilidade da região. Quando nós, deputados, visitamos essa região, a situação já era muito crítica. Agora, é de calamidade total. Então, creio que essa região do semiárido, mais especificamente essa região do sisal, é uma das regiões mais prejudicadas neste momento. Mas volto a dizer: a crise é generalizada. Nós temos hoje uma situação crítica muito grande em todo estado. Se você pegar até o Recôncavo baiano, que é uma região onde chove muito, ele também está sofrendo neste momento.
Falando especificamente do oeste baiano, que é responsável por grande parte do que a Bahia exporta, como essa seca pode afetar a economia e os empregos no estado?
Afeta diretamente a produção de milho, algodão e soja. O oeste baiano já tem áreas que estão sendo replantadas. Porque o produtor planta, como nós falamos, no pó, com a esperança da chuva vir logo depois. Quando a chuva não vem, e com as altas temperaturas que estão aí, essas sementes são perdidas e o produtor tem que plantar novamente. Então, essa perda no oeste da Bahia sem dúvida vai refletir na produção. Nós vamos ter uma diminuição da produção. E aí entramos nas outras regiões da Bahia. A produção de milho no nordeste baiano vai ser afetada com certeza. A produção de feijão e até a lavoura de café. Quando estive no extremo sul agora os produtores me disseram que o café está tendo problemas na florada. Com as temperaturas muito elevadas as flores estão abortando. Então, teremos também problemas na safra de café. Enfim, será um ano realmente muito difícil para a agropecuária como um todo. Vamos ter queda de produção, redução de empregos, sem dúvida. Porque quando cai a produção, ela impacta diretamente a geração emprego na colheita, por exemplo.
Essa estiagem mais severa pode resultar no aumento dos preços de itens essenciais?
Não tenha dúvida de que a produção de hortifruti e de hortaliças será abalada. A produção de feijão também. O dia a dia da dona de casa, do dono de casa, na hora que chegar nas prateleiras dos supermercados, será afetado diretamente. É como uma grande enchente, de forma inversa, por assim dizer. Mas os preços das hortaliças vão subir e infelizmente nós vamos ter esse impacto direto nas prateleiras dos supermercados.
Sei que diante dessa situação, o senhor e outros deputados estão fazendo cobranças ao governo do Estado. O que vocês defendem que o Executivo faça no momento?
Nós, das comissões de Agricultura e de Infraestrutura e Desenvolvimento Econômico e outros oito deputados, no total foram 24, estivemos reunidos com o governador em exercício, Geraldo Júnior, e ele ficou de conversar com o governador Jerônimo Rodrigues que chegou ontem (dia 6 de dezembro) de viagem. Nós fizemos algumas sugestões. A primeira é que precisamos imediatamente retomar a venda de milho subsidiado ao produtor. Há anos atrás isso foi feito, na época que eu estava como secretário de Agricultura. Nós conseguimos fazer com que a Conab vendesse 150 milhões de quilos de milho subsidiado aos produtores. Olha, 150 milhões de quilos de milho é um volume significativo. Àquela altura, nós criamos 27 armazéns para a venda de milho a preço subsidiado. O preço do saco de milho na época custava R$ 100 de venda ao produtor e nós vendemos a R$ 18,12. Dessa forma, muitos dos pequenos produtores conseguiram salvar os seus rebanhos com esse milho subsidiado. Então, a primeira ação que deve ser feita de imediato é a recriação desses polos de venda de milho. Que a gente possa ter a Conab vendendo esse milho subsidiado porque o produtor não consegue comprar milho a R$ 100. O milho subsidiado, a menos de R$ 20 o saco, pelo menos acalenta e vai fazer com que o produtor não perca o rebanho como um todo. E vai minimizar essas mortes com certeza.
E o que mais?
Nós conseguimos junto com os produtores do oeste da Bahia a criação de um programa chamado SOS Seca. Eles doaram 2 milhões de quilos de milho, de resto de caroço de algodão, de feno, de casca de feijão. Os agricultores do oeste da Bahia colocaram esses produtos e o governo também ajudou. Esses alimentos foram distribuídos para os rebanhos do semiárido como um todo. Foi doação direta dos produtores do oeste da Bahia para os pequenos produtores do sertão. Foi uma ação linda e que deu uma repercussão muito boa. A outra coisa que nós colocamos para o governo é a liberação imediata de recursos. Pedimos também para que o Estado solicite do governo federal e se empenhe para que abram linhas de crédito emergencial para a compra de alimentos e para a questão hídrica. Nós precisamos de uma linha de crédito especial para que os produtores possam comprar esses alimentos, onde eles acharem, para salvar os seus rebanhos e também para infraestrutura hídrica. E também a suspensão de qualquer cobrança agora de quem está devendo nesses municípios que estão em situação de emergência.
O senhor e os demais parlamentares estão confiantes que o governo baiano vai atuar de forma efetiva?
Saímos esperançosos porque o governador Jerônimo Rodrigues chegou de viagem e, ontem mesmo, iria fazer uma reunião com todas as partes ligadas a esse assunto para buscar exatamente a implementação de soluções e a busca de ações imediatas do governo. Nós, inclusive, solicitamos também que a Defesa Civil dê celeridade aos pedidos de situação de emergência. Já temos 130 municípios até ontem dos 417 municípios baianos já decretada a situação de emergência. E tem outras centenas de municípios solicitando essa decretação de emergência. Por isso pedimos ao governo a celeridade nesse processo, porque só assim o município vai ter acesso às condições bancárias para os produtores. E também tem a questão do próprio município entrar com ações paliativas. É fundamental que esses decretos de emergência sejam céleres para que a gente tenha condições efetivas de socorrer os animais. Defendemos também que as operações de carro-pipa e as doações de tubos de caixas d’água são fundamentais agora. Porque se o governo doar essas pipinhas, como nós chamamos, e a tubulação de tanque, pelo menos nós teremos água onde ainda existem barragens.
Olhando para um aspecto mais subjetivo, o senhor que anda muito no interior neste momento, conversando com prefeitos e com a população, como está o estado de espírito nessas regiões mais afetadas pela seca?
Eu sintetizaria como desespero. Tanto os prefeitos como os produtores rurais estão num momento de desespero total. Como falei: para mim, é um tsunami que está acontecendo hoje aqui no estado. A situação é dramática. Não quero ser o arauto do apocalipse, mas estamos vendo essa situação dramática em cada canto do estado. Não é exagero. É importante que as pessoas entendam que a situação é muito grave e que nós precisamos rapidamente fazer alguma coisa para minimizar o sofrimento no interior da Bahia.
Como o senhor vê o desenvolvimento de tecnologia e inovação para solucionar problemas que decorrem da escassez de água?
Nós, agropecuaristas baianos, aprendemos a cada seca dessa. Quando, há anos atrás, tivemos o El Niño, a reserva alimentar com a palma , o feno e as silagens, tudo isso que não era de costume geral dos agropecuaristas baianos, entraram no dia a dia, na vida dos produtores. É lógico que depois de quase cinco anos de chuvas constantes, alguns baixaram a guarda. Mas, sem dúvida, ao longo desses anos de aprendizado, os produtores têm melhorado a sua tecnologia de convivência com a seca. Porque a seca a gente não combate. Nós temos que conviver com a seca. Quem mora no semiárido tem que conviver com a seca. E a única forma de conviver com a seca é ter água através de reservas hídricas. Seja através de pequenos barramentos, de poços artesianos. E também a reserva alimentar. A pequena reserva alimentar é fundamental na vida do sertanejo. Nós aprendemos um bocado mas talvez alguns tenham baixado a guarda nesses últimos anos de chuvas constantes. Mas temos que, a cada dia, trabalhar mais com tecnologia. Aí é fundamental a assistência técnica. A gente precisa de assistência técnica aos pecuaristas, à agropecuária para que a gente consiga fazer com que esse produtor cada dia mais tenha tecnologia para produção dessa reserva alimentar. Essa reserva alimentar e essa reserva hídrica. Esse é um ponto chave. Chama-se assistência técnica, que é a base fundamental para que a gente traga essa tecnologia à condição de conviver com a seca.
Os cientistas dão como certo que o aumento da temperatura vai fazer com que a região semiárida passe a ser uma região árida, ou seja uma região desértica. O que fazer com os milhões de brasileiros e baianos que vivem nesta região?
Nós vamos ter que aprender cada dia mais a conviver com a seca. A busca nossa vai ser essa convivência com o semiárido. Essa tecnologia de convivência com a com a seca tem que ser a cada dia mais desenvolvida. O fundamental é alimento, crédito emergencial. É agente financeiro, comida e água. Esse é o resumo do que a gente está precisando agora. E todo mundo deve se unir para minimizar esse problema grave.
Raio-X
Eduardo Salles é engenheiro agrônomo com mestrado em Engenharia Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais. Está no seu terceiro mandato de deputado estadual e preside a Comissão de Infraestrutura, Desenvolvimento Econômico e Turismo, além da Frente Parlamentar em Defesa do Setor Produtivo. É ex-secretário estadual de Agricultura e ex-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Agricultura (Conseagri). Foi presidente da Associação de Produtores de Café da Bahia e da Câmara de Comércio Brasil/Portugal. Há 20 anos é diretor da Associação Comercial da Bahia. *A Tarde
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