Em média, uma criança com menos de 5 anos morre de Covid-19 a cada 2 dias no Brasil. Atualmente, os pequenos brasileiros desta faixa etária representam 9% do total de internações pela doença.
Os números foram levantados pelo grupo Observa Infância, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a pedido do g1, e desmentem declarações recentes do presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL). Na sexta-feira (14), em entrevista a um podcast, Bolsonaro voltou a mentir ao dizer que crianças não morrem de Covid-19. “A molecada não sofre com vírus. Você não viu moleque morrendo de vírus por aí”, disse ele na ocasião.
Entre 4 de setembro e 1 º de outubro, 437 crianças foram hospitalizadas por complicações da Covid no Brasil. Nesse período, 17 mortes pela doença foram registradas entre menores de 5 anos.
Especialistas criticam a demora do Ministério da Saúde em liberar a vacina para crianças de até 5 anos, mesmo já tendo o aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
De janeiro até o dia 3 de setembro, a proporção de internações de crianças por complicações do vírus era menor: em média, 6,3%.
Segundo os dados, a curva de hospitalizações e de mortes por Covid vem caindo em todas as faixas etárias desde junho. Mas, olhando apenas entre as crianças menores de 5 anos, a queda é mais lenta.
“Essas crianças continuam muito vulneráveis porque o vírus continua circulando. A vacina impede a manifestação das formas graves e boa parte dos óbitos, mas, ainda assim, o vírus circula. E a criança não vacinada tem sido, sim, impactada”, disse o pesquisador e coordenador do grupo, Cristiano Boccolini.
Parte do público infantil – entre 6 meses e 2 anos e 11 meses – segue sem nenhuma vacina contra a Covid disponível nos postos de saúde. O Brasil tem hoje doses da Coronavac para crianças a partir dos 3 anos e da Pfizer para a faixa etária de 5 a 11 anos.
Após quase um mês da aprovação da Anvisa, o governo federal ainda não dá prazo para chegada das doses e para início da aplicação da vacina da Pfizer para crianças de 6 meses a 4 anos, mesmo com um contrato em vigor com a farmacêutica para fornecimento de vacinas até o final deste ano.
Desde o início da campanha de vacinação contra a Covid, em janeiro de 2021, o Ministério da Saúde nunca demorou tanto para tomar uma decisão sobre a incorporação e aplicação de uma vacina para o público infantil como acontece agora (saiba mais abaixo).
Falta vacina e falta incentivo
Boccolini explica que, em relação às mortes de crianças por Covid, o cenário já esteve pior. Entre 2020 e 2021, a média diária era de 2 óbitos entre menores de 5 anos. Em junho deste ano, também houve um pico por conta de subvariantes da ômicron.
“A média diária de mortes aumentou para cerca de 3 entre maio e junho deste ano e, agora, reduziu para 0,6 óbitos por dia. A gente tem vacina e as crianças continuam morrendo de Covid”, ressaltou.
O pesquisador ressaltou que, para reverter esse quadro, é preciso incentivo e promoção da vacinação infantil por parte dos governos.
“Recentemente teve a morte de um bebê em Betim por meningite e paralisou a cidade inteira, o estado de Minas, até mesmo há uma mobilização nacional. A cada dois dias uma criança morre de Covid e a gente não vê tanta mobilização e tanta sensibilização do que hoje já pode ser considerado uma morte prevenível. Isso é inaceitável em termos de saúde pública para a sociedade brasileira”, concluiu.
Processo travado
Nesta quinta-feira (13), o Ministério da Saúde autorizou o uso da vacina da Pfizer para crianças de 6 meses a 4 anos com comorbidades, apesar de a Anvisa e a fabricante não terem feito restrições ao uso do imunizante.
Para liberar a todas as crianças nessa faixa etária, a pasta deve acionar a Conitec, órgão responsável pela incorporação de tecnologias e medicamentos no SUS, e, com isso, adicionar uma nova e inédita etapa no processo de liberação de uma vacina contra a Covid.
Caso o tema seja mesmo levado ao órgão, será a primeira vez desde o início da campanha de vacinação que a Conitec vai avaliar o uso de uma vacina contra a Covid para menores de 18 anos.
Na semana passada, membros da Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização (CTAI), que assessora o Ministério da Saúde em temas de vacinação, recomendaram a aplicação da vacina da Pfizer em crianças a partir dos 6 meses. Em outros momentos, a pasta aguardou apenas o parecer desse grupo para anunciar o início da imunização, sem enviar o assunto para a Conitec.
O ministério diz que o acionamento do órgão foi uma recomendação da área jurídica da pasta, por causa do fim da emergência em saúde pública.
Fontes ligadas ao ministério confirmaram ao g1 que a área jurídica da pasta vinha analisando o contrato com a Pfizer e afirmaram que a chegada das vacinas ainda vai levar “algumas semanas”, sem especificar quantas.
No caso da vacina para crianças de 6 meses a 4 anos, as doses precisam ser importadas por terem composição, dosagem e rótulos diferentes das outras da farmacêutica.
Até dezembro, a Pfizer precisa entregar um “saldo” de cerca de 35 milhões de doses da última negociação com o governo federal. Parte dessas doses – ou a totalidade – poderia ser destinada para o novo público infantil, já que o contrato prevê o fornecimento de vacinas adaptadas ou para diferentes faixas etárias.
Histórico da demora
Entre dezembro de 2021 e janeiro de 2022, a pasta demorou 21 dias para aprovar a vacina da Pfizer para crianças de 5 a 11 anos após o aval da Anvisa. À época, também não havia doses dessa vacina no Brasil – elas demoraram um mês para chegar e começarem a ser aplicadas nos postos de saúde.
Mais recentemente, em julho deste ano, o Ministério da Saúde liberou o uso da Coronavac na faixa etária de 3 a 5 anos cinco dias depois da aprovação pela Anvisa.
Quando a mesma Coronavac foi liberada para crianças e adolescentes de 6 anos a 17 anos em janeiro (com exceção de imunossuprimidos), o governo demorou somente um dia para recomendar a vacinação desse público.
No histórico da campanha, o maior atraso do Ministério da Saúde na incorporação de novas faixas etárias na vacinação aconteceu quando a Anvisa autorizou, em junho de 2021, o uso da Pfizer na faixa etária a partir dos 12 anos. A pasta se posicionou sobre o assunto apenas em setembro.
À época, o Ministério da Saúde chegou a suspender a recomendação de vacinação nos adolescentes sem comorbidades, mas voltou atrás dias depois e novamente liberou a aplicação das doses da Pfizer para todo o público.
Nenhuma das liberações citadas acima passou pela análise da Conitec.
Silêncio do ministro
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, é o responsável por dar a palavra final em relação à vacinação dos pequenos, passando ou não pela Conitec.
Em entrevistas e aparições públicas recentes, Queiroga tem silenciado ou limitado as respostas sobre o assunto, assim como outros integrantes da sua equipe, como secretários e assessores próximos.
No dia 23 de setembro, durante um evento em Brasília, Queiroga afirmou para jornalistas que o início da vacinação a partir dos 6 meses “não deve tardar” e que o tema estava em análise na área técnica.
Em sua conta oficial no Twitter, Queiroga não escreveu uma única vez, nos últimos 30 dias, sobre a possibilidade de liberação da vacina contra a Covid para a nova faixa etária.
O ministro tem usado seu perfil oficial para falar sobre a campanha
de vacinação contra a poliomielite e, principalmente, mostrar atos do
presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL), muitos deles sem
relação com a área da saúde. *G1
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