Desempregado e de mãos atadas: é assim que está um dos 134 candidatos aprovados no concurso público da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) para vagas de professor auxiliar nível A. O profissional, que preferiu não se identificar, já tinha sido convocado para apresentar os documentos obrigatórios à inspeção médica, mas não poderá — ao menos, por enquanto — ser nomeado ou empossado no cargo.
É que o certame, realizado em 22 municípios baianos, foi suspenso na terça-feira (6), após decisão liminar do juiz Marcelo de Oliveira Brandão, da 5ª Vara da Fazenda Pública de Salvador. Uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público estadual (MP-BA), no último dia 26, apontou uma série de irregularidades durante o desenrolar do concurso e pede a nulidade do processo seletivo, cujo edital tinha sido publicado em 23 de abril, com resultado homologado em 1º de julho.
“Deixei um emprego formal como docente numa instituição privada, para assumir as 40 horas exigidas pelo concurso”, conta o professor. Ele ainda relata que trabalhava em ‘uma das três maiores universidades privadas da cidade [Salvador]’. “Saí sem nenhuma verba trabalhista: direito a saque de FGTS, aviso prévio indenizado ou seguro-desemprego.”
Para o candidato, que concorreu a uma vaga na capital, onde mora, a decisão de ter suspendido o concurso foi precipitada. “Este órgão [MP-BA] fez uso de elementos pontuais, sem qualquer profundidade de investigação para atingir todo o concurso, sem observar, em nada, os prejuízos ao orçamento público já empregado para o processo seletivo, o prejuízo presente à educação pública e os prejuízos às centenas de candidatos aprovados”, reclama.
Por meio da ação, o promotor de Justiça Adriano Assis diz que, após a realização da prova, no dia 9 de junho, o MP-BA passou a receber diversas reclamações sobre as instruções dadas aos candidatos quanto à necessidade de identificação de todas as folhas de respostas, com nome completo, rubrica ou número de CPF.
Ainda segundo o órgão, a Uneb foi procurada, mas não houve retorno. Por causa do ‘aparente desinteresse de cooperação por parte da universidade’, o Ministério Público afirma que decidiu seguir com a investigação por meio dos candidatos que tinham feito as denúncias.
Ao longo da apuração, entre outras irregularidades, também foram identificados problemas na composição das bancas examinadoras, como existência de afinidade entre examinadores e candidatos aprovados, e modificações nas bancas durante o período de correção das provas objetivas; adoção irregular do caráter eliminatório na prova de títulos; e intervalo de tempo insuficiente entre a data de divulgação do cronograma de sorteio do ponto para a realização da aula pública.
Interesse público versus interesse particular
No
mesmo documento, o MP-BA defende que a demanda proposta visa “assegurar a
preservação do patrimônio público e da moralidade administrativa,
valores cuja tutela lhe foi entregue, exatamente por transcender a
individualidade dos cidadãos, evidenciando o interesse social na sua
proteção”.
A medida tomada pela 5ª Vara da Fazenda Pública de Salvador no momento tem caráter liminar, mas, de acordo com o especialista em Direito Público Alexandre Medeiros, caso sejam comprovadas as irregularidades, o concurso pode, sim, vir a ser anulado. “Nós temos, aí, a aplicação do princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado.”
Também sem se identificar, uma das candidatas aceitou conversar com a reportagem e disse concordar que a decisão judicial possa causar ‘sérios prejuízos a todos os envolvidos no certame’. Mas o problema dela é outro: a vaga de professora auxiliar para a qual tinha sido selecionada está lotada no campus da Uneb em Camaçari, região metropolitana da capital — e um dos municípios onde foram indicadas irregularidades pelo Ministério Público. “Todo esse cenário de incerteza não me permite tomar grandes decisões, o que gera sérios transtornos”, conta.
Nesse sentido, o especialista Alexandre Medeiros faz referência a uma tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no fim de 2020, que abarcaria situações como essa e que deve ser acatada pelos demais órgãos judiciários. “O Estado pode ser responsabilizado por danos materiais causados a candidatos quando provas forem canceladas por indícios de fraude”, explica.
A responsável pelas possíveis irregularidades — que necessitam de comprovação — seria a universidade, organizadora do certame e que, embora seja vinculada ao governo estadual, é uma autarquia, ou seja, tem personalidade jurídica própria.
“Como o concurso foi realizado pela Uneb, então, a própria Uneb é que deveria ser responsabilizada diretamente, por esses danos, [se] comprovados, causados aos candidatos, como eventuais custos de viagem e de hospedagem”, avalia Alexandre Medeiros. “Somente no caso de a banca [Uneb] estar insolvente é que o Estado poderia vir a ser responsabilizado de forma subsidiária”, acrescenta.
Com a decisão, a instituição de ensino deve, dentro de até dez dias, a contar de terça (6), demonstrar, nos autos, o cumprimento da decisão, estando sua reitora, Adriana Marmori, suscetível a sanção, por improbidade administrativa.
Além disso, precisa apresentar, em um prazo de 30 dias, cópias das
folhas de respostas da etapa da prova escrita, com um levantamento de,
em quantas delas, houve identificação de candidato, agrupando-as por
município em que se realizou o exame. Procurada pela reportagem, a
universidade não respondeu até o fechamento desta matéria. *Correio
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