Produtora cultural e mãe, Geise Oliveira, 32 anos, conta com um companheiro ativo nos cuidados com o filho do casal e as demandas da casa, mas ainda assim percebeu e vivenciou o impacto ampliado na pandemia sobre as mulheres. Essa é a realidade apontada nos resultados preliminares do Estudo Longitudinal da Saúde do Adulto (Elsa-Brasil), segundo o qual, as mulheres dedicaram mais horas semanais ao trabalho doméstico em comparação com os homens.
Surpreendida pela pandemia quando finalizava o segundo trimestre da sua primeira gestação, Geise ficou em trabalho remoto quase todo o tempo anterior e posterior à sua licença maternidade, mas atualmente está em formato híbrido. Com jornada semanal de 40 horas na ONG na qual é assistente de coordenação, ela trabalha duas vezes por semana na sede, o que a fez antecipar a matrícula de Guilherme na creche.
O plano original era esperar o filho completar dois anos, mas com a volta ao trabalho presencial, a flexibilidade de horário do companheiro e o suporte da mãe, que mora na casa de cima, não seriam suficientes. Eles cogitaram que Gui, como Geise sempre chama, fosse para a creche em dezembro, mas com medo da alta de casos de Covid-19 gerada pela variante ômicron, decidiram adiar.
Após visitar o local algumas vezes e verificar a adoção de todos os cuidados preventivos contra a Covid, ela mandou Gui para a creche na última quarta-feira, onde ele permanece por um turno. “Estava sendo difícil manter a concentração e o meu foco porque preciso ter uma dedicação para a escrita”, afirma Geise, que precisar escrever projetos e também está fazendo sua tese de doutorado.
“Na condição de mulher, o impacto da pandemia foi muito forte porque a gente vive em uma lógica patriarcal, onde as mulheres precisam dar conta e serem fortes, inclusive para sustentar as fragilidades dos homens, não só maridos, namorados, mas filhos, irmãos, pais…”, afirma Geise. No seu caso, ela ressalta ainda a solidão resultante do afastamento exigido pela pandemia, mas com repercussões além desse período.
Acúmulo
Para a jornalista Ana Fernanda Souza, 42 anos, o maior desafio de atravessar os dois anos de pandemia foi o acúmulo ainda maior de funções e demandas. Em home office desde março de 2020, mesmo tendo mudado de emprego, por quase todo o período, ela teve de conciliar o trabalho remoto, com as aulas online do filho, e o grande aumento nas demandas domésticas.
A guarda de Otto, 9 anos, sempre foi compartilhada, mas diante do medo da Covid-19 e o desconhecimento inicial sobre a redução de danos diante de uma pandemia, nos primeiros meses, ele ficou direto com Ana. “Naquele primeiro ano foi bem difícil de equilibrar”, comenta. Mesmo antes da pandemia, ela não contava com diarista, mas com a longa permanência dela e do filho em casa, onde faziam todas as refeições, a frequência das atividades domésticas precisou ser ampliada.
Com a retomada das aulas presenciais e da guarda compartilhada, Ana consegue algum tempo para espairecer e Otto pode aproveitar a companhia dos colegas da escola. Nos demais aspectos da vida, ela acredita ter se habituado à nova realidade mais do que criado soluções. “Acostumei a aproveitar a pausa entre uma reunião e outra para passar uma vassoura na casa, ou no dia que não dá para fazer almoço, já tenho um lugar onde pedir”, considera.
No caso de Evelim Cristina Cerqueira, 29 anos, o primeiro impacto da pandemia foi o desemprego. Ela trabalhava como empregada doméstica e foi dispensada pouco depois da confirmação dos primeiros casos de Covid-19 na Bahia. Com três filhos para sustentar, ela passou a contar com o apoio de amigos e parentes para garantir a sobrevivência da família.
“Minha vida virou de ponta cabeça. Tive que me reinventar pra conseguir dar conta de tudo”, desabafa Evelim. Quando houve a primeira baixa de casos, ela começou a trabalhar como folguista em trabalhos domésticos, mas foi na confecção de chaveiros de resina que achou uma solução. Agora, ela trabalha apenas com a confecção e venda dos produtos, mas ainda não consegue garantir renda suficiente para arcar com todas as despesas.
Recortes
Pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher da Universidade Federal da Bahia (Neim/Ufba), Cecília Sardenberg ressalta que mesmo entre as mulheres, sem dúvidas mais impactadas em relação aos homens, as repercussões da pandemia foram mais intensas entre as negras e com menor renda. Ela lembra que a primeira morte por Covid-19 no Brasil foi de uma empregada doméstica negra.
Na sua avaliação, o auxílio emergencial não chegou para todas que precisavam receber, sobretudo diante do grande número de mulheres desempregadas em decorrência da necessidade de fechamento dos estabelecimentos comerciais, onde a força de trabalho é aproximadamente 70% feminina. Outro aspecto destacado é a presença das mulheres na área de saúde, das médicas às profissionais de limpeza, compondo a maior parte do contingente exposto a maior risco de contágio.
“No espaço doméstico, o trabalho aumentou horrivelmente, principalmente para as mulheres com filhos pequenos, pois as crianças ficaram sem creche e sem escola”, diz Cecília. Ela comenta a dificuldade geral de conciliar home office e cuidado com filhos e cita a queda de produção acadêmica entre as mulheres, além do grande número de desistência nas pós-graduações.
Para Cecília é fundamental a realização de um trabalho de educação
nas escolas, desde as classes iniciais, para produzir mudanças nesse
panorama marcado por desigualdade de gênero. Ela defende ainda a
importância das mulheres se organizarem em torno dessas demandas e avisa
“no Brasil todo terá um protesto no 8 de março, em Salvador será no
Campo Grande”. *A Tarde
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