Apesar de ressaltar que não tem uma posição totalmente formada sobre a regulamentação de drogas, o secretário de Administração Penitenciária e Ressocialização da Bahia (Seap), Nestor Duarte, concordou com o titular da SSP, Ricardo Mandarino, que voltou a defender na semana passada a legalização dos entorpecentes no país, com o argumento de que ajudaria a reduzir a criminalidade.
“Eu vi a entrevista do secretário Ricardo Mandarino. Eu não sou especialista no tema, mas o que ele disse tem toda a lógica no sentido de que, se você regulariza algumas coisas, elas passam a pagar imposto. Esse imposto iria para a área de saúde, a área policial. É um tema de alta indagação. Ainda não tenho uma posição totalmente formada em relação a isso, mas você vê que, em países civilizados, tipo na Holanda, os presídios foram se fechando por falta de gente delinquindo. A sociedade atinge um nível social, intelectual, cultural, econômico e não comete mais crime”, afirmou Duarte, em entrevista à Tribuna.
Ainda na entrevista, Duarte fala sobre a situação prisional na Bahia e como foi atuar na área durante a crise sanitária da Covid-19. “Olha, nós temos hoje uma situação prisional na Bahia das melhores do Brasil, senão a melhor. Modéstia à parte, não sou eu. É uma equipe. São anos e anos de trabalho identificando o que fazer. O Brasil tem 800 mil presos, e tem 250 mil vagas. Então, é uma sobrecarga no sistema de mais de 200%. Aqui, na Bahia, nós temos em torno de 15 mil presos, temos 12 mil e poucas vagas, e estamos inaugurando Brumado e Irecê, que está pronta”, pontuou.
Tribuna da Bahia – Como o senhor avalia a situação prisional na Bahia hoje?
Nestor Duarte – Olha, nós temos hoje uma situação prisional na Bahia das melhores do Brasil, senão a melhor. Modéstia à parte, não sou eu. É uma equipe. São anos e anos de trabalho identificando o que fazer. O Brasil tem 800 mil presos, e tem 250 mil vagas. Então, é uma sobrecarga no sistema de mais de 200%. Aqui, na Bahia, nós temos em torno de 15 mil presos, temos 12 mil e poucas vagas, e estamos inaugurando Brumado e Irecê, que está pronta. Teve um problema com a Justiça do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho e nós estamos resolvendo. A licitação já está na rua já com a empresa aguardando os trâmites para que a gente possa assinar o contrato. Aí eu estou falando de 533 vagas em Brumado e 533 em Irecê. São mais de 1.066 vagas, e vamos ficar com 13.400 vagas. Então dá para você trabalhar, fazer ressocialização. Claro, quem administra a unidade prisional não está administrando um convênio de freiras. Então, só tem toda uma técnica, uma necessidade. Afinal de contas, está cumprindo a ordem judicial de pessoas privadas de liberdade, que comentaram crimes ou estão respondendo ao processo penal. Ou já estão apenados com uma situação definida.
Tribuna – E como está essa ação do Ministério Público do Trabalho?
Nestor Duarte – Nós já tivemos um acordo no Supremo, que já estamos licitando. A solicitação que fizemos lá atrás ficou caduca para o prazo que durou a ação. Paciência. E a gente fez a unidade, aí veio a suspensão do funcionamento da unidade, porque não podia ser cogestão. Já definiu isso. Já é página virada. Foi um trabalho feito no governo Wagner e pelo governo Rui Costa, com o objetivo de interiorizar a gestão prisional, com trabalho da Justiça, do Ministério Público, da Defensoria, da OAB para que as pessoas possam ser custodiadas próximas do seu município. Já que nós não temos como fazer 400 presídios, um em cada município. São regionais, que atendem a 10, 12, 15 municípios no entorno para fazer essa facilitação da logística de audiências, de cumprimento de pena, de visitação dessas coisas.
Tribuna – Quais são os projetos na Bahia na área prisional?
Nestor Duarte – No período de cumprimento da pena, nós temos vários cursos (para os presos). Na semana passada, fomos inaugurar um projeto “Costurando pra Vida”, onde os internos de conjunto penal fazem fardamentos. No caso, foi em Itabuna, mas isso vai pra Teixeira de Freitas, para toda a Bahia. Nós queremos votar três mil internos e internas fazendo fardamentos. No começo da pandemia, nós fizemos quase um milhão e meio de máscaras para que os presos pudessem usar. Fizemos entregas disso para hospitais, fizemos doação de material para empresas elaborar esses aventais e essas máscaras. E temos vários outros cursos de marceneiro, de carpinteiro. Temos internos cursando faculdade. Passaram no Enem, passaram no vestibular, e têm direito a cursar uma universidade. Já estando em um estágio mais adiantado da pena. Nós temos um grande projeto, que nós estamos fazendo com Carlinhos Brown, com uma instituição internacional ligada a Carlinhos e devemos começar. Nós temos feito trabalho muito nessa linha, de ocupar a cabeça de quem está privado de liberdade. Nós temos também um programa, “Palmas para Conquista”, com a Prefeitura de Conquista, onde a gente planta com a mão de obra prisional palmas para usar para caprinos, bovinos. Naquela região do semiárido, nós temos convênio com a Prefeitura de Jequié, aqui (em Salvador) com o Tribunal de Justiça em que presos no semiaberto trabalham nessas unidades. E a cada três dias trabalhando se tem um dia de redução de pena. Nós temos a redução de pena pelo estudo. A cada três dias, a cada semana estudando, tem mais dois dias de diminuição do prazo da pena. E temos também (um projeto que foi) pioneiro aqui da Bahia, que é a remoção de pena pela leitura. Então, a gente tem um grupo de assistente social, de psicólogos que trabalha e apresenta o livro. O camarada lê este livro, e depois ele diz o que leu. Cada livro lido e apresentado é um mais um dia de redução da pena. Então, o camarada pode trabalhar de dia, pode estudar de noite e pode ler um livro também. É um programa que a Bahia é pioneira, é vanguardista.
Tribuna – E como está a situação dos presídios no estado?
Nestor Duarte – Nós temos melhores unidades, e nós temos unidades mais antigas. A Lemos Brito tem 65 anos de idade. Já teve reforma, mas precisa sempre fazer alguma coisa a mais, né? Nós temos recurso do fundo penitenciário estadual para fazer em Senhor do Bonfim. Nós fizemos várias unidades novas aqui na Bahia. Tivemos uma unidade aqui em Salvador que tinha 700 vagas. Tivemos duas em Conquista, também para 700 vagas, uma feminina que virou masculina. Graças a Deus, não tivemos demandas. Fizemos em Barreiras a primeira unidade. Ampliamos Paulo Afonso, Juazeiro. Fizemos 200 vagas em Itabuna, e estamos querendo e temos tido dificuldade em conseguir um terreno em Ilhéus, onde a gente também quer fazer. Lá tem presídio na Ariston Cardoso, que já tem também mais de 50 anos. A gente tem tentado terreno. Todo terreno que a gente consegue vem alguma comunidade para dizer que não pode.
Tribuna – O senhor fez concursos na sua gestão para agente penitenciário. Conseguiu dar conta da carência que existia?
Nestor Duarte – Quando entrei no governo... O governador Wagner, no seu segundo mandato, ele entendia na época que a ressocialização era muito importante, e ele queria um olhar específico. E me convidou para ser secretário e eu aceitei. E aí eu comecei a estudar o problema e disse a ele: “governador, nós temos localistas de vaga, nós temos cerca de 11 mil presos para 6 mil vagas. Há alguns presídios, como Lemos Brito, o HCT que estão muito velhos, precisando de reforma”. Então, nossa missão é primeiro humanizar o sistema montando na sobrecarga. No lugar, onde cabem quatro, tem doze, como é o caso do Brasil. Tem 200% de sobretaxa no sistema. Na Bahia, tem 15 mil presos, com 12.400 vagas e 1.066 para botar para funcionar. Então, esse foi o nosso primeiro trabalho. Então, como nós começamos? Fazendo vagas para acabar com a sobrecarga no sistema. E estamos quase conseguindo, mas aí a dinâmica da sociedade, das prisões, do crime, das coisas vai acontecendo e vai também numa crescente nisso. Então, nós fizemos esse dever de casa. Nós fizemos dois concursos no governo Wagner e depois do governo Rui. Um para cem pessoas e outra para 200. Nós botamos para dentro mais de 600 pessoas concursadas. Você faz um concurso para 100 pessoas, mas 101 perdeu o concurso. Mas ele vai ser chamado porque no caso de agentes penitenciários, policial penal tem os testes de aptidão, testes físicos e tal. Muita gente perde. E aí você vai chamando o quadro de reserva.
Tribuna – Em relação à pena alternativa, como tem sido cumprida na Bahia?
Nestor Duarte – Fizemos concomitante a isso a perna alternativa, que a gente tinha sete Ceapas (Central de Penas Alternativas). Não foram criadas por nós. Elas existiam já, salvo engano, no governo Paulo Souto. Nós entendemos que era uma política pública extremamente importante, e aí procuramos implementar isso. Fizemos e já estamos com 18 centrais de Penas Alternativas. Elas atendem cerca de 12 mil pessoas, que poderiam estar na cadeia e que tiveram a sorte e a possibilidade de ter uma decisão judicial que lhes deu uma condenação, mas não é um cárcere. A pena alternativa tem custo econômico menor, porque um preso custa em torno de R$ 3 mil reais por mês. Na pena alternativa, o custo é de R$ 500. Tem um psicólogo, um assistente social, um advogado e mais uma secretária. Com isso, você acompanha a o cumprimento de pena alternativa dessas pessoas. E nós temos hoje uma situação de uma Ceapa cuidando de dez comarcas. Nem todos os municípios têm comarcas. Essa Central de alternativas nós temos a daqui de Salvador e região metropolitana, que é a maior de todas. Onde tem a maior demanda. Temos regionalmente a Ilhéus, de Teixeira de Freitas, a de Eunápolis, a de Barreiras, a de Bom Jesus da Lapa, de Conquista, de Jequié, a de Feira. Enfim, espalhados pelo Estado da Bahia. Nós estamos querendo mandar para Assembleia um projeto de lei para criar mais cinco central de penas alternativas. A gente ampliou muito de sete para dezoito.
Tribuna – Qual foi o impacto da pandemia sobre o sistema prisional?
Nestor Duarte – Olha, foi grande, mas a gente enfrentou. Com diálogo, não é? Você imagine que logo em março suspendemos as visitas, porque a gente entendia que se está num cárcere, está numa unidade prisional, só quem chega lá é um agente penitenciário ou a visita, se a doença está na rua, quem vai trazer a doença é quem vem para unidade. Vindo da rua, né? Então, saímos para fazer todo um trabalho de usar a máscara, de usar álcool gel, de limpeza com produtos químicos das unidades e tal. E dialogamos com a massa carcerária: “vocês estão vendo o que está acontecendo, uma pandemia, sua mulher, sua filha, seu filho, seu marido, devem estar infectados sem saber que estão e trazer a doença para dentro”. A doença se espalha com rapidez. É um lugar com muita gente junta, com pouco sol. Então, a gente teve a coragem de suspender as visitas. Foi uma decisão que eu acho corajosa, porque todo mundo achou que não ia durar uma semana. Não ia durar quinze dias, que as cadeias iam virar. Mas nós fomos com os nossos diretores, com nossos chefes de segurança e os agentes penitenciários conversar com a massa carcerária, e suspendemos a visita por um ano e tanto. Agora, gradativamente estamos voltando a ter visita. A gente faz visita uma semana. A gente não tem como testar todo mundo, e a gente suspende mais quatorze dias. Mais duas semanas, faz alguns testes aleatórios e tal. Não tem nada. Aí tem novas visitas. E criamos o comitê interinstitucional, que nos ajudou muito. Congrega dois desembargadores, dois juízes, dois promotores, dois defensores públicos, um representante da OAB, um representante da Secretaria de Segurança Pública, e nós da SEAP.
Tribuna – Como funcionava esse comitê?
Nestor Duarte – A gente se reúne toda sexta-feira, semanalmente. No auge da crise, fazíamos relatórios, apresentávamos previamente e tal, discutimos de duas da tarde até quatro, cinco, seis horas da tarde. Todos os temas, exaustivamente, e fomos adotando as medidas. Volta e meia, a gente convidava o secretário de Saúde para dar informação. Então, a gente suspendeu as visitas, e graças a Deus não tivemos nenhuma rebelião, nenhum problema. Fizemos áreas de isolamento em praticamente todas as unidades para recebimento de presos. A gente recebia preso todos os dias a exceção de sábado e domingo. Passamos a receber uma vez por semana. E aí a gente coloca esse pessoal que chega numa quarentena de 14 dias, e em seguida vai para o convívio. E essa quarentena a gente só pode começar uma por semana, porque não tem espaço para fazer. Então, foi realmente um momento muito difícil. Graças a Deus, enfrentou. O Judiciário entendeu. Teve várias ações judiciais, várias decisões judiciais levando Manuel, Pedro, José, Maria, Paulo para domiciliar.
Tribuna – Houve mortes por Covid-19?
Nestor Duarte – Nós tivemos baixas. Um policial militar morreu, dois policiais penais morreram. Tinham comorbidades. Foram quatro mortes, que a gente sente. Mas teve um índice mínimo de contaminação dos presos na nossa responsabilidade. Cerca de 1,8 mil foram para domiciliar por ordens judiciais em todo o estado. Então, eu acho que as coisas caminharam bem, podia ter sido muito pior. Claro que a gente não queria que tivesse morrido ninguém. Mas morreram mais de 580 mil pessoas.
Tribuna – O que o senhor pensa sobre a regulamentação do consumo de drogas? O secretário de Segurança Pública, Ricardo Mandarino, defendeu recentemente essa regulação.
Nestor Duarte – Eu vi a entrevista do secretário Ricardo Mandarino. Eu não sou especialista no tema, mas o que ele disse tem toda a lógica no sentido de que, se você regulariza algumas coisas, elas passam a pagar imposto. Esse imposto iria a área de saúde, a área policial. É um tema de alta indagação. Ainda não tenho uma posição totalmente formada em relação a isso, mas você vê que, em países civilizados, tipo na Holanda, os presídios foram se fechando por falta de gente delinquindo. A sociedade atinge um nível social, intelectual, cultural, econômico, e não comete mais crime. Fechou vários presídios lá na Holanda. Embora o crime é muito maior do que a gente imagina. Você pode ter uma empresa que é do crime organizado e está lá de fachada com produto do crime, do tráfico.
Tribuna – Qual o balanço que o senhor faz vídeo audiência, que está em várias comarcas?
Nestor Duarte
– Essa é uma ferramenta nossa, criada por nós da SEAP. O Judiciário
adotou. Nós, inclusive, com o governador Rui Costa, no “Pacto pela
Vida”, conseguimos os primeiros 50 equipamentos, que foram doados ao
tribunal para que a gente tenha uma televisão com o aparelho no presídio
e outra na sede da Comarca. Foi um sucesso. Teve muita solicitação
devido a audiência, isso facilitou muito. Com a Covid, foi uma
ferramenta de gestão extremamente importante para baratear o custo,
inclusive. Porque você imagina se você levar um preso para uma audiência
pode ter um acidente, pode ter um ataque. Então, tem que ter segurança,
veículo cela, policial militar, policial penal, uma sala no Judiciário,
tem que ter alimentação. É um custo maior. Então, vamos ter (vídeo
audiência) em todas as comarcas. *TRBN
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