Existem duas dimensões na aposentadoria de Alex. A
primeira tem relação com a História do futebol brasileiro, com h
maiúsculo mesmo. Depois de 19 anos, período no qual se tornou ídolo de
três clubes brasileiros (Coritiba, Cruzeiro e Palmeiras) e um mártir na
Turquia, Alex encerra uma carreira ímpar. Só para citar um número: seus
422 gols garantem a medalha de bronze no ranking dos meias/artilheiros,
só perdendo para Zico e Pelé. A segunda dimensão marca o reencontro do
herói com o menino pobre, tímido, magro e cabeçudo que ele era aos 17
anos nas ruas sem asfalto e sem esgoto de Colombo, na Grande Curitiba.
Nessa época, era só Pachequinho. Para promover esse
reencontro, o jogador de 37 anos escolheu encerrar a carreira no clube
em que tudo começou. Ele sabia que não conquistaria títulos - o Coritiba
só escapou do rebaixamento na semana passada. “Foi uma escolha
emocional, zero de razão”, reconheceu. “O Alex não poderia encerrar a
carreira rebaixado. Firmamos um compromisso para que o último jogo fosse
de festa. E vai ser”, afirmou o técnico Marquinhos Santos, do Coritiba,
que prevê momentos de instabilidade no time a partir do ano que vem,
após a saída do craque. Acir Cortês, o Sisico, primeiro treinador de
Alex, conheceu o Pachequinho e o Alex.
“Ele não mudou. Sempre fala comigo. Se o Couto
Pereira tiver 100 lugares vagos, ele vai escolher um perto de mim”,
orgulhou-se o segundo funcionário mais antigo do clube. Para Alex, não
está sendo fácil parar. Quando ele atendeu à reportagem, estava voltando
de uma das sessões de terapia.
“Estou bem. Acho que vou continuar assim
nas férias. O problema vai ser em 2015, quando eu não tiver que me
reapresentar”, revelou.
A professora Katia Rubio, especialista em Psicologia
do Esporte e autora do livro “O atleta e o mito do herói”, pinta um
quadro com cores fortes da angústia do craque. “Ao longo da vida, os
jogadores são entidades endeusadas. Por isso, a hora de parar é tão
dolorosa”. Alex não parece muito preocupado com essa idolatria. Prefere
ser lembrado como um jogador que respeitou os adversários e os
torcedores e soube entender as características de cada clube em que
jogou. Simples assim. “Um grande motivo de satisfação da minha carreira
foi ter jogado com os grandes da minha geração. Por cinco minutos ou
vários jogos, fui parceiro deles”, orgulhou-se.
Diante do desafio de enumerar os melhores momentos
desta carreira, ele fala do infantil do Coritiba, das vitórias no
Palmeiras, da campanha extraordinária com o Cruzeiro em 2003, do
aprendizado na Turquia e do retorno ao Coritiba. Ou seja, a carreira
inteira. Mas é bom seguir o técnico Paulo César Carpeggiani, que alçou
aquele garoto mirrado da base para os profissionais em 1995. “Quando o
Alex fala, a gente presta atenção”. Alex não é um jogador de frases
feitas. Desde “O mundo de Sofia”, primeiro livro que leu na vida e que
conta a história da filosofia de uma maneira acessível ao grande
público, o jogador devora os livros na concentração. Vê telejornais e
gosta de falar sobre política e cultura. É um dos principais porta-vozes
do Bom Senso FC, movimento que busca melhorias nas condições de
trabalho dos jogadores brasileiros.
Turquia
A
palavra “mártir”, lá no primeiro parágrafo, não foi usada à toa. Em
2012, o Fenerbahçe, clube turco pelo qual atuou oito anos, inaugurou uma
estátua em sua homenagem. Alex chorou quando se viu imortalizado em
bronze no centro de Istambul. “O que fiz para isso? Ela é para vocês,
todos vocês”, disse, emocionado, para os turcos ensandecidos.
A resposta é simples. Entre tantos títulos e gols,
Alex se tornou o 2.º maior artilheiro do Fenerbahçe na Liga Turca com
136 gols e foi campeão da liga em três temporadas. Pode ser considerado o
melhor estrangeiro da história do futebol turco. Depois de problemas de
relacionamento com o técnico Aykut Kocaman, sua saída foi emblemática:
centenas de pessoas fizeram uma vigília na frente da sua casa. Alex,
claro, não é perfeito. Teve passagens bem discretas pelo Flamengo, onde
não conseguiu superar o conturbado momento político do clube. No mesmo
período, não emplacou no
Parma, da Itália. Fez apenas cinco jogos e
anotou três gols.
Nos dois clubes, não deixou saudades. A principal
lacuna de sua carreira é a Copa de 2002. Apesar dos bons momentos pela
seleção, como nas conquistas da Copa América em 1999 e 2004, e de ter
sido importante nas Eliminatórias, foi preterido por Felipão na formação
do time pentacampeão. Sisico acha que foi injustiça.
Neste domingo, no Couto Pereira, estará emocionado
diante do grande feito de sua vida. O nome Sisico lembra Sísifo (com
“f"), aquele herói grego que tinha de rolar uma pedra até o cume da
montanha, mas, no final da jornada, a pedra voltava para o começo.
Trata-se de uma alegoria para os trabalhos sem fim, que nem sempre dão
certo. Com Alex, Sisico conseguiu colocar sua pedra no alto da montanha
do futebol brasileiro.Fonte: Estadão Conteúdo